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segunda-feira, julho 17, 2006

O Carvoeirito
 

Os netescritores mais pequenotes prometeram ao avô Salvador, o autor do Buba, terminar a história que ele lhes enviou, e da qual desconhecia o final porque, nas suas palavras "Minha mãe nunca mais voltou à noite para me contar o fim da história, antes de eu adormecer... mas sei, tenho a certeza, que uma noite destas, minha mãe virá de novo sentar-se num banco baixo, à minha cabeceira, com a malha nas mãos e, depois de eu adormecer, irá contar-me, finalmente, o final da história que, quando eu era criança, me contava para eu adormecer."
Escreveram então quatro finais diferentes.
Hoje publicamos a história do Carvoeirito contada pelo avô Salvador. Amanhã publicaremos o primeiro dos quatro finais escritos.
Filho de rei por nascimento, sem o saber, ambições e maldades dos homens fizeram dele almocreve. A correr o mundo...
Até que um dia chegou a uma cidade onde havia um grande palácio, muito bonito. A ele foi o almocreve a oferecer carvão; e em troca dele, uma malga de caldo; e p'rá noite uma cama, numas palhas em sítio onde ele e o burro, pudessem ficar.
Ao vê-lo, o rei que ia a passar, teve um pressentimento: ele, rei, que há largos anos vivia fechado em sua dor, pelo desaparecimento de seu único filho. E logo ali lhe mandou dar farta refeição e um bom aposento. E à noite, ordenou, que viessem para serão, os fidalgos da corte; e mandou ainda, que a ele viesse, também, o Carvoeirito.
E assim, cumprindo a ordem do rei, entre expectantes e surpresos, se foram os fidalgos assentando à volta da lareira. E assim acomodados, se mantiveram todos, ouvindo lá fora o inverno da noite, enquanto o rei não chegava.
Tímido e receoso, a um canto, encolhido, se postara o pequeno almocreve: excogitando os porquês da real vontade e - habituado que estava aos pontapés dos homens e ao ladrar dos cães - de qual o "crime" que, sem querer, decerto praticara e pelo qual, decerto também, ia ser castigado.
E eis que chega, o rei; e logo, todos ao vê-lo, se atiraram de joelhos ao chão: que era esse o costume do reino.
O rei trazia na cabeça uma coroa de rubis e brilhantes, capa de arminho aos ombros e o ceptro na mão. E com ele também, forte escolta de tropas fortemente armadas. O que tudo deixou - aos fidalgos - a uns embasbacados e a outros vagamente receosos.
E logo ali ordenou o rei ao Carvoeirito que a todos contasse, porque ele rei a queria ouvir, a história da sua vida. E assim se fez: e o Carvoeirito cumprindo a ordem recebida do rei, começou assim: "Era uma vez um menino...". "E depois..., prosseguiu: quando era muito pequenino, o menino foi levado por uns homens muito maus que o abandonaram lá na serra, noite escura, cheia de lobos muito maus e só embrulhado numa mantinha. E nem lhe deixaram comer nem nada que era para ele morrer de fome".
Pungente era a história - a que todos ouviram: a história da sua vida, à ordem do rei contada.
E que o contador de tal conto - todos adivinharam - só podia ser o filho que, "perdido" pelo rei, nunca mais fora encontrado: o filho desaparecido, por ambição e maldade de não se sabia quem. E daí que, enquanto já exultavam alguns, outros inquietos já tremiam pelo medo que lhes causava tal conto que o receoso contador continuava a contar.

"E depois... apareceram uns pobrezinhos, que andavam por ali, e que recolheram o menino porque tiveram muita pena dele. E quando chegaram a casa, deram-lhe leite duma cabrinha que eles tinham e fizeram-lhe muitas festas e o menino ficou muito contente. E então viram que o menino tinha um sinal num bracinho e, ao lavar o menino, viram que o sinal era de nascença e não saía e, quando viram melhor, viram que era uma marca muito linda, com uma coroa e muitas espadas à volta."
Ia assim o contador contando o conto quando alguns fidalgos já muito nervosos pediram licença ao rei para se irem deitar dizendo que se estava a fazer muito tarde e estavam a ficar com frio... Mas o rei que estava cada vez mais nervoso ao ouvir a tão pungente odisseia do menino, "alevantou-se" furioso, lá donde estava sentado e desembainhando a espada, comandou: "Conta, conta, Carvoeirito, que daqui ninguém se levanta."
Depois voltou a sentar-se soltando fortes gemidos de cortar o coração. Entretanto, o comandante das tropas, vendo que alguns fidalgos se estavam a preparar para fugir, logo deu ordem às tropas para avançarem um passo, para lhes apertar o cerco. E vendo o rei por seu lado, que o Carvoeirito também estava a ficar amedrontado logo lhe disse: "Não tenhas medo. Conta! conta!..."
E assim, o contador continuou a contar: "E depois...".

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