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sexta-feira, fevereiro 11, 2005

O Senhor dos Gatos I
 

Os netescritores têm professores que também gostam de escrever!
Este conto, cuja publicação iniciamos hoje, foi escrito por um desses professores.





Tricotava gestos no meio da noite, escondendo o novelo das intenções a pessoas que aparentemente alheias passavam, ou ao trânsito automóvel que de olhos abertos em luz varriam uma rotunda da cidade.
Cirandava no exterior de uma fábrica em ruínas, após ter estacionado o carro, já com uns dez anos marcados de arranhões e tinta preta baça. Contornou o veículo, abriu uma das portas, retirou um saco plástico e olhando à volta e ensaiando passos incoerentes, baixou-se e espreitou para debaixo do automóvel. Desatarraxou a antena que guardou no interior do mesmo, trancou as portas, colocou o saco sobre o "capot" e olhou em redor. Por vezes encolhia-se encostado ao carro, de braços cruzados, qual animal acossado, quando vislumbrava algum transeunte mais próximo.
Nos momentos em que o silêncio se abatia na quietude esquecida de movimentações, apartava restos de comida do saco plástico e passava-os para um recipiente de "fast-food" sem retorno, ciciando palavras e mergulhando a mão numa falha entre tijolos que entaipavam uma das entradas do degradado edifício.
Então aparecia um par de olhos luminescentes que saltando pelo orifício procuravam ronronando o alimento e, pouco depois, mais dois pequenos gatos se lhe juntavam no festim nocturno tão aguardado.
Desemaranhando toscas carícias nos pêlos mal tratados de sóis e chuvas de abandono, como anfitrião empenhado acompanhou o apetite voraz e serviu leite num prato de papel.
Reparando na lânguida preguiça que a satisfação da abundância provocara, colheu do automóvel uma caixa de cartão forrada com um pequeno cobertor e colocou-a ao abrigo do motor ainda quente.
Provavelmente desejou uma boa noite em linguagem felídea e lá se foi, avenida abaixo, no seu passo bamboleante, absorvido pela escuridão, com a qual candeeiros de luz empalidecida, teimosamente jogavam às escondidas.
E, todos os dias, obstinada e escrupulosamente, se repetiam os gestos semi-escondidos, cúmplices da noite, repartidos em solidões coniventes e preenchidas.

(Fernando Magalhães, Escola E.B. 2/3 Junqueira)


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